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Nada substitui no mundo dizer: "Eu Te Amo!"

Nada substitui no mundo dizer: "Eu Te Amo!"

 

           Minha mãe expressava o seu amor por mim cantando um canção; minha avó, por meio de sussurros em italiano; meu pai o transformava em anjos esculpidos, lições de navegação astronómica e harmonias musicais. Na minha família, o léxico do amor era transmitido em código, suas mensagens, dissimuladas para serem decifradas em segredo.
          Conforme fui crescendo, o código foi se tomando mais oculto. As mensagens foram gradualmente se constituindo de sinais leves, o que me fez, adquirir a posição de prontidão de uma operadora de telégrafos durante a guerra, esperando por noticias do front. Quando os sinais cessaram de uma vez, eu me tomei uma adivinhadora de símbolos, arrancando de sua incerteza uma evidência necessária. Um vestido novo ou uma festa eram muito bem-vindos, mas, como todos os signos, objetos e eventos eram ambíguos e abertos à má interpretação.  Eles não eram verificáveis. A maioria deles era dada e recebida em silêncio, induzindo-me a dúvidas e à necessidade de certeza.
          "Você me ama?", perguntei à minha mãe uma noite, quando tinha 6 anos. Seus olhos se levantaram como duas surpresas luas azuis das páginas do jornal. Lentamente, como se fossem fragmentos de um caleidoscópio, suas feições foram se modificando e tomando a forma de perplexidade e admoestação. "Bem, claro que sim", ela respondeu. Claro.
Aos 13 anos, passei três semanas com a minha professora numa desajeitada casa de fazenda, que abrigava a escola numa única sala. Ao me pôr na cama uma noite, ela se inclinou para me beijar: "Você é uma maluquinha e eu te amo", ela disse. Somente quando as palavras soaram tão livre e claramente, me dei conta de há quanto tempo vinha esperando ouvi-las.
          Minha professora já era uma senhora de idade naquela época, magra, encurvada e formidável. Ela sabia uma ou duas coisas a respeito do silêncio e da solidão, e da tremenda tensão que se abate sobre aquele que espera por mensagens. Mesmo depois que ela fechou a porta do meu quarto naquela noite, permaneci com os olhos abertos na escuridão. E jurei que ninguém que eu amasse, a minha vida inteira, seria obrigado a interpretar criptografia.
          Com o nascimento de minha irmã mais nova, minha decisão pôde se concretizar, "Eu te amo", cantava, enquanto a embalava para dormir. "Eu te amo", disse-lhe quando, aos 8 anos, ela teve de usar capacete ortodôntico, que a deixava parecida com um jogador de futebol americano. "Eu te amo", repeti quando, aos 17, ela descobriu que seu namorado estava saindo com outra, e novamente mais tarde, aos 18, ele lhe confessou que não estava mais apaixonado por ela. "Eu amo você!", ela gritou na rua, ao sair do meu apartamento depois de uma visita. "Eu te amo", ela me disse ao telefone, quando eu estava prestes a embarcar numa jornada difícil. Nós falávamos em outras línguas também; através do olhar, de gestos e até do silêncio. Mas sobretudo pronunciávamos palavras; tínhamos necessidade delas.
          Para uma coisa ser conhecida, ela precisa ter um nome — e ser dita claramente. No musical da Broadway “O Violinista de Telhado”, o personagem pergunta à sua mulher se ela o ama.   Chocada pela necessidade dele de perguntar, ela relaciona tudo o que havia feito por ele nos anos em que estiveram juntos. Isso, acreditava, era resposta suficiente.
          "Mas você me ama?", ele insiste. E insistiu até conseguir extrair dela o grande prêmio; as palavras. Em nossa necessidade de declarações abertas, minha irmã e eu não estamos sós, e, como esse personagem, somos persistentes. Minha mãe, nos seus 60 anos, aprendeu a nos responder com naturalidade.
          Por que, então, para tanta gente, as palavras são tão difíceis de serem ditas? Porque a raiva é expressa mais facilmente do que o afeto? Se dissermos a alguém que o amamos, o que sentimos, que vamos perder? A cara? A coragem? O controle? Se um pai diz "Eu te amo" a uma criança, será que isso fará a criança assumir a posição de comando? Se um irmão diz o mesmo para a irmã, ele perderá sua força e masculinidade? Se um mulher madura o diz a seu pai, ela se aniquilará de dor se ele não for capaz de compreender? Será que todos temos nos magoado tanto, que a nossa necessidade de nos tomarmos invulneráveis e sós supera a nossa carência de amor?
          Nossas desculpas são as mais variadas. Uma amiga minha, formada em Filosofia em Harvard, se saiu com esta: "E muito difícil fazer ou responder a uma declaração de amor, especialmente se você tem uma necessidade intelectual de ser original". Ela defende uma tese: não há originalidade nenhuma em dizer "Eu te amo". Mas quem de nós, no calor da emoção apaixonada, consegue ser original? Quem seria capaz de dizer como a Julieta, de Shakespeare, "Minha generosidade é infinita com o mar/ Meu amor profundo como ele/ Quanto mais eu vos dou Mais eu tenho"? Ou como Pablo Neruda escreveu à sua mulher. Mathilde: "Morrerei de amor porque eu te amo porque eu te amo, Amor, em fogo e em sangue"? Tamanha eloquência requer temperatura mais baixa e distância reflexiva. Para aqueles momentos em que normalmente emudeceríamos, devemos confiar na linguagem mais simples e tradicional.
          Recentemente peguei uma amiga íntima ensinando sua filha de 9 meses a comer, enquanto, simultaneamente, tentava cuidar de um gato doente, preparar o café da manha e falar comigo, sentindo-se culpada por estar me negligenciando. Eu gostaria ardentemente de ter expressado a ela a minha admiração, afeto e pura gratidão — de forma original. Mas não pude. E quando levanto os olhos da leitura e encontro o homem que eu amo roubando-me um olhar, queria saber dizer-lhe como Safo, a poetisa grega; "... Sob a minha pele irrompe um fogo sutil... Sou acometida de um repentino estremecimento e, em seguida, sinto que morrerei..." Mas não consigo. E quando presenciei uma amiga enterrando seu pai, observei-a pegar a longa pá para jogar terra em sua cova, e tudo o que me vinha à mente eram suas mãos; mãos que escreveram peças e histórias, mãos que por mais de um vez seguraram as minhas. Mas como poderia falar-lhe de mãos?
          "Eu te amo" é o que digo sempre nesses momentos. Isso me ocorre prontamente, repentinamente, como uma revoada selvagem de pássaros; palavras para serem não apenas pronunciadas, mas divulgadas. Essencialmente, amor é uma afirmação de vida e nossa única arma contra a morte. Amor é tanto um ato de renúncia como de desafio. E como a morte vai vencer no final, faz sentido dizer "Eu te amo" sempre que possível.


                                                                   Elena Natici revista New Woman
                                                Texto extraído da revista Cláudia Junho/90